Por Marcos Eduardo Neves
Se não chega a fazer uma devassa, ao melhor estilo Notícias do Planalto, o livro “Os donos do espetáculo – Histórias da imprensa esportiva do Brasil”, do jornalista e produtor de televisão André Ribeiro, tem seu valor, por trazer à tona uma informativa linha do tempo da mídia esportiva nacional. Com um texto sem pretensão literária, mas de fluidez significativa, o autor retrata o surgimento das grandes estrelas da imprensa futebolística. Assim como no best-seller de Mario Sérgio Conti, mostra ainda a evolução dos principais veículos de comunicação – no que diz respeito ao esporte – explicitando as mudanças profundas e radicais de 1856 até 2008, ano em que a obra foi publicada.
O rigoroso trabalho de pesquisa, no entanto, não impossibilitou que diversos personagens e fatos importantes fossem omitidos. Mas, página a página, o leitor terá ideia das dificuldades que Charles Miller, o pai do futebol brasileiro, atravessava quando invadia redações, no começo do século XX, para implorar notas sobre o esporte que trouxera ao país. Miller teve a felicidade de conhecer Mário Cardim, nosso primeiro repórter esportivo, que trabalhava no jornal O Estado de São Paulo. No Rio, as primeiras notícias sobre futebol surgiram nas páginas do Jornal do Brasil e do Correio da Manhã, em 1901. Em 1912, o JB já dedicava uma página exclusiva aos esportes, por conta do sucesso que o futebol fazia nas ruas.
Apesar da epidemia de gente a correr atrás de bola, intelectuais, como o escritor Graciliano Ramos, acreditavam piamente que o futebol não teria futuro longo no país. Outros, como José Lins do Rego, apostavam no contrário. O autor de “Fogo morto”, por sinal, de tão apaixonado pelo jogo, chegaria a presidir a CBD (Confederação Brasileira de Desportos), no ano de 1950.
As rivalidades entre a imprensa do Rio e de São Paulo, as inovações de Mário Filho nas páginas esportivas, a genialidade de seu irmão Nélson Rodrigues na famosa mesa-redonda da TV Rio – A grande resenha Facit – ao lado de João Saldanha e Armando Nogueira, nada de relevante foi esquecido.
Curiosidades não faltam. Jogador do Flamengo, Laurentino abandonaria os gramados para se tornar Lauro Borges, comediante da PRK-30, um dos programas humorísticos de maior sucesso na Rádio Nacional. O fanatismo sobressai. Ari Barroso, em 1943, conseguiu o avião particular de seu chefe – Assis Chateaubriand – para trazer o volante paraguaio Modesto Bria para o Flamengo.
A partir do Golpe de 1964, a falta de liberdade de imprensa fez com que as editorias de esporte explodissem em criatividade. Na Rádio Jovem Pan, a dupla Osmar Santos e Fausto Silva era pura ousadia. Na época em que o Santos tinha um goleiro chamado país, Osmar perguntava ao parceiro: “Como é que está o País, Fausto?”. E Faustão respondia: “Tá balançando, esse País só sabe jogar pela direita…”
O livro resgata fatos que poucos se lembram. Galvão Bueno, por exemplo, estreou em Copas do Mundo em 1974 narrando Alemanha x Austrália como se fosse Suécia x Bulgária. O mesmo locutor trocou por 11 meses o prestígio que desfrutava na TV Globo pela aventura chamada OM, emissora de Paulo César Farias, tesoureiro de Fernando Collor.
Uma década antes, um estagiário de José Carlos Araújo na Rádio Nacional resolveu copiar o chefe em tudo. Até no apelido. Ex-governador do Rio, Anthony William Matheus de Oliveira perdeu para o locutor duas ações na Justiça, já que a marca Garotinha fora registrada pelo jornalista.
Em 1995, o Flamengo chegou a ter duas lendas do jornalismo esportivo em posições de comando. Kleber Leite tornou-se presidente e Washington Rodrigues, o Apolinho, técnico. Até Walter Clark, mago da TV brasileira, passou pelo clube. Todavia, não suportou mais que um ano, o de 1978, tamanha a desilusão diante de subornos a árbitros: “Tinha um que tomava dinheiro dos dois lados”, alertava, indignado.
Esporte que movimenta centenas de bilhões de dólares por ano, o futebol foi, no Brasil, a partir dos anos 2000, alvo de comissões parlamentares de inquéritos. Um ex-jornalista, J. Hawilla, fechou para a CBF o milionário contrato com a Nike, que gerou uma CPI de final melancólico no Mundial de 2002.
Justamente este ponto foi o que mais intrigou André Ribeiro. O autor das biografias de Leônidas da Silva e Telê Santana ficou estupefato com o poder e o prestígio alcançados por certos colegas de profissão. O apresentador Milton Neves, sem titubear, confessa: “Considero-me um milionário vendo a minha origem e o meio em que vivo, o jornalismo esportivo, mas sou um pé-de-chinelo ante aos empresários com os quais trabalho na publicidade”.
Num exemplo de que não é só o dinheiro que move a atividade, mas também a paixão, o final do livro é de emocionar: dedicado à morte, em 2003, de Oldemário Touguinhó. A dedicação do jornalista era tanta que certa vez o repórter obrigou um piloto a abortar a decolagem de um avião comercial. Plantou-se no meio da pista, disposto a ser atropelado. Tudo para entregar a um colega um filme e uma reportagem que teria de sair no dia seguinte no Jornal do Brasil.
- Capa do livro de André Ribeiro