Por José Rezende
Realizei, no dia 22 de março de 2001, a mais prazerosa e gratificante entrevista da minha trajetória no jornalismo esportivo. Fui ao encontro de Maria Lenk, um mito no esporte brasileiro e acima de tudo um exemplo de vida. A emoção foi grande em poder ouvir um ser humano tão especial. Ela me recebeu em seu apartamento, no Leblon.
A infância e as primeiras braçadas “Na época, isso foi ao redor de 1920, porque eu nasci em l5 e estou com 86 anos hoje. Então, a partir de 7, 8 anos ingressei, por intermédio de meu pai, no esporte. Ele era ginasta e gostava de competir em ginástica de aparelhos. Alemão, depois naturalizado brasileiro, tinha essa mentalidade de levar os filhos à atividade esportiva, pensando em beneficiá-los para a saúde.
Eu nasci e me criei, em São Paulo. Só vim ao Rio depois de adulta. Isso significa que eu estava próxima ao Tietê. Foi lá que meu pai me ensinou a nadar, porque não havia piscinas na época.
Naquela época não se pensava em competição. Era, praticamente, o início do esporte feminino no Brasil. Ele me levou aos clubes à beira do Tietê, onde se praticava natação e, eventualmente, se fazia competições dentro do próprio rio.
Houve, na época, uma prova de repercussão quase mundial: a travessia de São Paulo a nado, da qual eu participei uma porção de vezes.
Na época, o Tietê era diferente. É preciso se conscientizar que, ainda, não havia sido retificado e era limpo. As travessias eram organizadas pela Gazeta
Esportiva, que, também, criou a São Silvestre. A São Silvestre continuou, porque puderam retirar os automóveis da rua, para poder realizá-la. Mas, o rio não servia mais para nadar e tiveram que suspender as travessias.”
O esporte feminino e os movimentos feministas Maria Lenk nos fala sobre a relação entre o início do esporte feminino no Brasil e os movimentos feministas:
“A famosa Berta Lutz estava se movimentando em favor do voto feminino. Havia, também, uma famosa voadora Anésia Pinheiro Machado, primeira mulher brasileira e quiçá do mundo a tirar um brevê de aviação.
A natação, inclusive, da travessia começou entre os anos 20 e 24. Havia uma nadadora, Jandira Barroso, por sinal, bem brasileira, que depois foi substituída por nadadoras de clubes alemães. Quando eu ingressei essas eram as precursoras disso tudo, mas era somente uma prova de natação no rio Tietê. O atletismo brasileiro começou posterior a isso, já nos anos 30.
Em 1930, houve uma competição interestadual, da qual eu participei, entre Rio e São Paulo. Eu representando São Paulo, juntamente, com uma companheira chamada Marina Cruz, contra nadadoras do Rio de Janeiro, sobretudo do Clube de Regatas Icaraí. Nós éramos iniciantes e desconhecedoras dos truques da natação. Eu era bastante forte, bastante interessada e sempre tive sorte de vencer as provas.”
A estreia nos Jogos Olímpicos, em 1932, são realizados os Jogos Olímpicos de Los Angeles e Maria Lenk fala sobre esse momento de sua vida:
“Em 32, me levaram as Olimpíadas de Los Angeles. Fui a primeira mulher sul-americana a participar de jogos olímpicos. Nesse primeiro contato com o mundo feminino desportivo internacional, eu comecei a compreender e a ter interesse, também, nessa atividade. É preciso lembrar que desde daí e durante toda a minha vida ativa, havia o conceito de amadorismo, que jamais poderia permitir que se recebesse dinheiro para praticar o esporte, até mesmo a ajuda para a própria indumentária. A mensalidade do clube e tudo mais era por conta do próprio praticante.”
As primeiras piscinas e as lembranças de Berlim Maria Lenk lembra os clubes daquela época e fala, também, sobre as Olimpíadas de 1936, em Berlim:
“Na ocasião, havia um pequeno clube alemão chamado Clube Estrela, onde meu pai me levou. Logo depois, o clube vizinho, a Associação Atlética São Paulo, construiu a primeira piscina de competição, em São Paulo. Já havia a do Paulistano, que era exclusivamente para recreação. Então, havendo uma piscina, meu pai me mudou para a Associação Atlética São Paulo. Por ela eu vim ao Rio, para disputar o interestadual entre Rio e São Paulo e fui também a Los Angeles. Na volta, o Clube de Regatas Tietê construiu uma piscina olímpica. Eu mudei de clube, porque tinha em vista minha participação nos Jogos Olímpicos, em Berlim.
Meu estilo predileto e o primeiro a aprender foi o nado de peito. E foi dentro desse estilo que eu aperfeiçoei e introduzi o nado borboleta, que mais tarde foi separado do nado de peito.
Antes de Berlim, conquistei campeonatos paulistas e brasileiros. Em 35, pela primeira vez se realizou o campeonato sul americano feminino, onde venci as minhas provas.
Em Berlim, não cheguei à final, mas fui a primeira mulher a nadar o famoso nado borboleta. Finalmente, em l939, conquistei dois recordes mundiais: o de 200 e 400 metros nado de peito.
No esporte não havia política. O desfile das nações, em Berlim, com a presença do então ditador Adolf Hitler presente, em que a equipe francesa desfilou com o braço erguido, saudando os alemães. De uma maneira os desportistas não se conscientizaram do momento político importante que estavam vivendo. Os atletas entre si eram grandes amigos. Haja vista, que na época um atleta negro, Jesse Owes, que venceu as provas dele de atletismo e era o maior amigo de seu adversário, um alemão. Esse atleta alemão foi quem o ensinou na última hora uns truques no salto em distância, que o fez superar seu competidor na prova, um atleta alemão, por 1 ou 2 cm.”
- Em 1930, a jovem Maria Lenk participava das competições no rio Tietê, na cidade de São Paulo.
- Maria Lenk e Marina Cruz, em 1930, por ocasião da inauguração da primeira piscina regulamentar, em São Paulo, da Associação Athletica São Paulo.
- No dia 25 de abril de 1931, realizou-se na enseada de Botafogo a primeira competição feminina aquática interestadual, com representantes de São Paulo e do Rio de Janeiro. Maria Lenk e Marina Cruz participaram e foram acompanhadas pelo Dr. Juvenal Cruz, que aparece entre Carlos Weygand, campeão dos 1500 m e João Podboy, campeão dos 100 m livre.
- Maria Lenk, com 17 anos , e mais 81 atletas representaram o Brasil, nos Jogos Olímpicos, na cidade de Los Angeles, em 1932.
- Maria Lenk, campeã paulista do nado de peito, e Hilda Dias, campeã carioca do mesmo estilo, por ocasião do I campeonato feminino, em 1935, no Rio de Janeiro.
- Maria Lenk e Piedade Coutinho, outro grande nome da natação brasileira, em Berlim. Maria Lenk foi eliminada nas semifinais e Piedade ficou em quinto lugar nos 400 m nado livre.
- Na piscina do Clube Regatas Botafogo, em 11 de outubro de 1939, na 11ª prova do V Concurso de Natação da LNRJ, Maria Lenk bateu o recorde mundial do nado de peito com o tempo de 6’ 15’’ 8, realizando o percurso no estilo borboleta, para os 400 m. O recorde anterior era da alemã M. Genenger, que fez 6’19’’. Diploma concedido a Maria Lenk pela FINA.
- Menos de um mês depois, Maria Lenk bateu novo recorde mundial. No dia 8 de novembro de 1939, na piscina do Fluminense, Maria Lenk conseguiu o recorde no nado de peito com o tempo de 2’e 56’’ , superando o da holandesa J.Walberg, que era de 2’56’’ e 9 décimos nos 200 metros. Diploma concedido a Maria Lenk pela FINA.