Por: Silvio Barsetti
Mestres na arte de escrever e de criar, Sandro Moreyra e João Saldanha seriam para a crônica esportiva a representação de Pelé e Garrincha. Afinados politicamente, torcedores do Botafogo e donos de uma rapidez de raciocínio capaz de deixar os adversários estatelados no chão, os dois travaram ao longo de décadas disputas árduas – e risíveis – pelo estrelato no meio do futebol.
Não houve perdedor. Ao contrário, a lembrança de episódios testemunhados por amigos da dupla mostra que aquele convívio enriqueceu o anedotário do esporte mais popular do País.
Essa rivalidade apimentada a cada encontro dos dois está flagrante em ‘Sandro Moreyra, Um Autor À Procura De Um Personagem’, biografia do pai das jornalistas Sandra e Eugênia Moreyra, escrita por Paulo Cezar Guimarães e que traz na capa uma charge irretocável assinada por Ique Woitschach. O livro foi lançado há poucos dias pela Editora Gryphus.
Frequentadores do mesmo trecho da Praia de Copacabana, numa época em que ao voltar de um mergulho o banhista encontrava seus pertences na areia, Sandro e Saldanha trabalharam juntos por vários anos no Jornal do Brasil e fizeram inúmeras coberturas no exterior, notadamente em jogos da Seleção brasileira. Dono de um temperamento mais irreverente, Sandro gostava de provocar o colega de redação, o que nem sempre acabava bem.
Como, por exemplo, no dia em que aprontou uma ‘pegadinha’ em sua vítima preferida. Dividiam uma mesa num restaurante na zona sul do Rio, ao lado de outros jornalistas, quando Sandro iniciou a seguinte conversa.
“O Brasil vai jogar contra a Irlanda naquele estadinho bonitinho em Dublin.” Saldanha, ao lado, entrou no assunto: “Naquele que o trem passa na porta?”
“Não, naquele que o trem passa nos fundos”, retrucou Sandro, já antevendo o desfecho do bate papo. “Não, Sandro. O trem passa na frente”, disse Saldanha, senhor de si.
Para encerrar o diálogo, acompanhado com interesse pelos demais, Sandro arrematou: “João, esse estádio eu inventei agora e quero que o trem passe nos fundos. O estádio é meu.”
A irritação de João Saldanha, que costumava dizer “eu não brigo pra ganhar, eu brigo porque tenho razão”, foi tão grande que ele passou quase um ano sem sequer cumprimentar Sandro. Mas o poder reparador do tempo não os deixava distantes. Mesmo após esses pequenos duelos verbais, voltavam a se encontrar na praia e sentavam juntos para falar de política e de futebol.
“Era uma rixa de velhos queridos amigos, rabugentos. No fundo, os dois se adoravam. Dois geniais cascateiros, cada um queria dizer que era menos cascateiro que o outro. O que havia ali era um ciúme sadio de um pelo outro”, afirmou Paulo Cezar Guimarães ao Terra. O escritor, professor universitário e ex-repórter especial de O Globo já embarcou em um novo desafio – produzir a biografia de Armando Nogueira, outro craque da crônica esportiva.