Por: José Rezende
O gol que o tempo não apagou
O maior goleiro brasileiro no final dos anos 40 e na década de 50 e titular absoluto da seleção brasileira por muitos anos ficou marcado pelo gol de Gighia que decretou a derrota do Brasil na Copa de 50:
“As jogadas uruguaias eram feitas explorando a velocidade do Gighia, para ele ir à linha de fundo e jogar para trás. No primeiro tempo, eu cortei umas duas bolas. Outra ele centrou mais para trás e o Miguez acertou a bola na trave. Eu estava chamando a atenção dos meus homens de área, que tinham que olhar aquilo, porque eu não podia estar saindo além da marca do pênalti. Chega o segundo tempo e continuam fazendo a mesma coisa. Tanto que na hora que saiu o primeiro gol, eu chamei a atenção que eles só têm essa jogada. Se matar essa jogada acabou. Não tem mais nada. Exatamente no lance do gol, ele veio e eu mais do que nunca estava olhando para ele e se o Schiafino ou Miguez estavam na área. E, realmente, os dois vinham. Nessa ele me pegou no contrapé. Ele mesmo diz que chutou, porque o Bigode vinha correndo e ficou com medo de ser alcançado. Gighia mais se livrou da bola e deu sorte.”
Bigode outro eterno culpado
Bigode num dos poucos momentos em que falou sobre o jogo Brasil e Uruguai, relembrou o pior dia da sua vida:
“Jogaram em mim toda a culpa do fracasso da seleção brasileira na Copa do Mundo. Mas deixaram de lado a responsabilidade de muitos que não eram jogadores e que foram responsáveis pelo clima de intranquilidade que vivemos às vésperas e no dia da decisão contra o Uruguai. De lá prá cá, fiquei marcado e até quem nunca fora ao Maracanã me acusava. Um dia, quando jantava em um restaurante, ouvi, na mesa do lado, uma mulher comentar: “Nunca fui a uma partida de futebol, mas o culpado pela derrota do Brasil foi o tal do Bigode”.
Mestre Ziza e suas explicações
“São coisas que acontecem no futebol. Eu acredito se nós tivéssemos jogado uma segunda partida contra o Uruguai não teria acontecido a mesma coisa. O mesmo aconteceu com a Hungria, em 54, que era uma máquina.
Vocês, também, tiveram um pouco de culpa, porque foram montadas fotografias, com faixas do Brasil campeão do mundo. Na véspera do jogo nós passamos o dia todo assinando milhares de fotografias, sem termos um minuto de descanso. Houve desconcentração para uma partida de futebol, em São Januário. Ninguém teve mais tempo para nada. Aquela multidão lá dentro…
O Vasco não teve culpa de nada. A culpa foi de quem nos levou para lá. Num momento, eu comentei com o Rui, parece que nós já ganhamos o título. Vamos ter um adversário difícil. Não é contra uma seleção da Europa, é contra o Uruguai. Os uruguaios conhecem demais a gente.
No dia do jogo, nós fomos até retirados da sala de refeição, que acho ser uma hora sagrada para o jogador. Era uma época política e São Januário virou a sede nacional da política brasileira. Tiraram a gente da mesa para ouvir discurso do senhor Cristiano Machado e da comitiva dele, composta por senadores e deputados federais. Quando voltamos a sentar à mesa, tivemos que levantar novamente, porque chegou o Ademar de Barros, com sua comitiva. Quer dizer, o jogo já não tinha mais valor algum. A coisa se tornou uma festa, em São Januário, antes da partida. Se tivéssemos continuado em São Conrado, seria concentração mesmo.
Naquela época, pouca gente tinha automóvel. A Barra da Tijuca era um lugar deserto, onde os caras tomavam banhos nus na praia. Só tinha que ter medo dos aviões que davam rasantes em cima dos caras. Era uma Barra livre, mas difícil de chegar.
Eu tive medo da partida, quando terminou o primeiro tempo, porque nós até podíamos ter goleado os uruguaios. Quando a gente passa um tempo dominando uma partida e o gol não sai, a gente sempre se assusta um pouco. Quando o gol do Friaça saiu, nós já não estávamos bem como no primeiro tempo. A partir dali não sei, houve um gelo no time, uma coisa incompreensível. Não vou responsabilizar ninguém, porque isso foi geral, embora tenham jogadores, ainda hoje, que foram responsabilizados demais. É o caso do Bigode, que até hoje sente na carne. Bigode é um sujeito, que vai a poucos lugares. Uma das poucas casas que ele frequenta é a minha e a do Ademir, porque ele sabe que lá em casa eu não vou deixar falar de futebol com ele, a não ser que ele queira. Mas, se houver uma conversa que não está agradando, eu corto. Não existe nenhum culpado numa equipe de futebol. Quem ganha são os onze, quem perde são os onze”.