Por Marcos Eduardo Neves
Demorou apenas uma noite, mais precisamente 5 horas e 25 minutos, para eu ler “95 – A Tua Estrela Brilha”, livro escrito pela dupla Claudio Portella e Rafael Casé, publicado recentemente pela Mauad X. Mais rápido do que a leitura foi a vontade de escrever sobre a obra.
Quando folheei as primeiras páginas, a intenção era fazer hora para começar efetivamente a escrever o meu novo livro. Tudo mudou. Não consegui mais parar. Na página 87, dei boa noite à minha esposa avisando que não dormiria cedo. Só conseguiria repousar se devorasse tudo.
Já à página 49 tive vontade de escrever o texto que você está lendo agora. Lembrei de um amigo cantor que me falou que as grandes gravadoras não têm tempo para avaliar todas as músicas que lhes chegam. Por isso, o recado tem que ser direto: letra e melodia sem muita introdução instrumental, caso contrário passam logo à canção seguinte. Mais ou menos, o que aconteceu. Antes da página 50 eu já tinha noção da qualidade da obra que degustava àquele momento. Sentia-me plenamente apto a avaliar o produto. E a avaliação é a seguinte. Foi meu terceiro livro este ano – e, disparado, o melhor.
Portella e Casé fizeram o dever de casa direitinho. Entrevistaram os mais relevantes personagens da conquista histórica do Campeonato Brasileiro de 20 anos atrás: presidente, técnico, titulares. Colheram as informações, provavelmente em baterias de extensas entrevistas, e souberam espalhar o quebra-cabeças para montá-lo aos poucos, espalhando os depoimentos em meio a um texto que mais parece um thriller, um filme, um documentário.
Ao fim de cada capítulo, um bônus interessantíssimo: uma entrevista sobre o assunto abordado com personalidades interessantes, a maioria, claro, alvinegros marcantes. De Hélio de La Peña a Marcelo Adnet; de Marcos Penido a Lopes Maravilha; de Maurício Fonseca a Eraldo Leite. Com direito ao talvez último relato de Sandra Moreyra sobre o clube do coração.
A história já prendendo o leitor, que entra no voo de festa que trouxe os então campeões nacionais de São Paulo ao Rio, onde uma gigantesca massa humana em preto e branco esperava seus heróis na pista de pouso do Santos Dumont. Com o leitor já enredado na trama – muito bem escrita, por sinal –, o voo literário nos leva à construção do time, desde que o nome de Paulo Autuori foi sondado e nem Carlos Augusto Montenegro, o “Carlito Rocha” pós-moderno, acreditava que daria certo. As peças chegando, algumas repatriadas, a rasteira em Eurico Miranda para trazer Leandro Ávila, os entreveros entre o capitão Wilson Gottardo e o artilheiro Túlio, tudo é explicado.
Por sinal, pelo livro vemos como cada um era e ainda é. Um Beto jovial aprontando nos bastidores; um Sérgio Manuel seríssimo, profissional exemplar; um Túlio ainda hoje fanfarrão e que na época era mais do que um impagável marqueteiro, era a estrela maior do país.
Além dos depoimentos e da arte do texto, muita pesquisa feita. Provavelmente, de vídeos e jornais guardados pelos autores. Tais pesquisas não se ativeram ao ano específico. Contam a história do clube. A magnificência dos anos 50 e 60, as decepções das duas décadas seguintes e a nova era, iniciada no gol histórico de Maurício em 1989.
Sobre o ano em si, mais precisamente o Brasileiro, o livro revela pormenores das dificuldades enfrentadas pelo grupo, a busca por patrocinadores que pagassem o atrasado de vários atletas, a retomada da gloriosa sede de General Severiano, reaberta na véspera da semifinal contra o Cruzeiro. Na parte relacionada à campanha, além dos dados que os jornais trazem, os autores procuraram fatos novos, jamais revelados. Eu, por exemplo, nunca soube da reunião do clube com Romário, que preferiu permanecer no maior rival para a temporada seguinte.
O drama de Donizete, guerreiro contundido que jogou a final no sacrifício, a raiva dos santistas que tingiram o cabelo de vermelho e os erros de arbitragem no Santos e Botafogo decisivo trazem atmosfera de tensão na reta final do livro – e do Brasileirão. Ao fim, pensei que enfim conseguiria dormir. Ledo engano. Transportei-me de vez àquele ano. Ano em que vibrei com os Stones no Maracanã, entrei na faculdade de Psicologia, assisti a Romário virando Deus na final Taça Guanabara e certifiquei-me de que Renato Gaúcho deveria mesmo ser biografado. Ano que não sai da memória e que terminou com o merecidíssimo título nacional do Botafogo. Um título histórico, contado com riqueza de detalhes por uma dupla que, de antemão, rogo, sigam essa tabelinha trazendo novas pérolas literárias para nós, amantes do futebol. Livraço.