Por Marcos Eduardo Neves
O livro “Rivellino”, escrito por Maurício Noriega, comentarista do SporTV, não deve ser encarado como bio ou autobiografia. Contudo, traz um retrato digno daquele que é apontado como um dos cinco melhores jogadores de futebol de todos os tempos. Quem o coloca no rol é o irmão do craque, Abílio. Não só ele. Pelé, o espírito do Olimpo que se apoderava do Edson, endossa a opinião. Assim como tantos muitos outros que o viram jogar.
Eu, particularmente, não tive a glória. Só o admiro, de ajoelhar, pelo que vi em teipes. No entanto, para não dizer que não tive o privilégio, até tive. Não perdia Riva em ação pela seleção de masters, time criado pelo locutor Luciano do Valle, então na TV Bandeirantes, em meados dos anos 80. Pela telinha, assisti ao camisa 10 – 41 anos nas pernas –, literalmente fazer chover num jogo contra veteranos de peso histórico da Alemanha.
Rivellino disputou Copa Pelé e Copa Zico pelos masters. E revela a mágoa por Luciano não ter criado uma Copa Rivellino. Dou razão. Afinal, ninguém menos do que Diego Armando Maradona virou criança, ficou bobo certa vez, ao notar sua presença no mesmo vestiário, minutos antes de um jogo festivo. Riva foi o grande ídolo, espelho do menino Maradona, outro gênio da canhota.
Canhota essa que já aos 3 ou 4 anos de idade trazia o estilo inconfundível a que torcedores do Corinthians e do Fluminense, aqui no Brasil, e do Al Hilal, na Arábia, se acostumaram a ver. Habilidoso, cerebral, mortal nas cobranças faltas, o filho de palmeirense, que arrebentava no futsal, tentou a sorte num treino do alviverde e foi preterido por Mario Travaglini, com quem viria, anos depois, a trabalhar e ser campeão carioca pelo Tricolor do Rio. Bacana foi Noriega trazer os dois lados da moeda. A opinião de Rivellino sobre o treinador e a versão do técnico. O leitor que tire suas conclusões.
A verdade é que Rivellino fez carreira no rival Corinthians, onde viveu sempre entre o céu e o inferno. Era o Reizinho do Parque, o talento maior do Timão, mas não conseguia reverter isso em troféus. Isso que, quando somente disputava preliminares, a massa alvinegra se mostrava maior naqueles 90 minutos que precediam o jogo principal. Depois de se deleitarem com a exibição do menino-prodígio, alguns torcedores se negavam a sofrer com o time de cima logo depois.
Na obra, o camisa 10 esmiúça seu elástico, drible que tomou de um parceiro para aperfeiçoar a ponto de apropriar-se da invenção, virar quase sinônimo. Ao longo das 204 páginas, astros como Neto, Alex, Tostão, Zidane, Platini e Beckenbauer, entre outros, tecem elogios ao ídolo. Ícone que chegou a disputar 165 jogos seguidos pelo Corinthians, mesmo correndo suas veias sangue italiano: o pavio era curto. “Só peguei time ruim no Corinthians”, murmura, com razão. Na época, os rivais voavam. Principalmente o Santos, de Pelé, e o Palmeiras, de Ademir da Guia.
Jovem, em 1965, aos 19 anos, Riva já servia à seleção brasileira. Tricampeão mundial em 1970, agradece a moral que Zagallo lhe deu ao assumir e garante que o grupo viajou com rixas internas. Dá nome aos bois. Na Copa seguinte, a seleção chegou à Alemanha rachada entre Rio e São Paulo. “O Brasil foi longe demais em 1974”, avaliza, referindo-se ao quarto lugar na competição.
Rivellino confessa que antes de um jogo da seleção fez sexo na concentração. Mas não fala de seus casamentos. Afiado, relembra a desgraça pela qual passou após uma matéria, que julga tendenciosa, redigida por Jota Hawilla após a perda do Campeonato Paulista de 1974. Ainda reclama das homenagens tardias oferendadas pelo Timão.
Contratado a peso de ouro por Francisco Horta, presidente do Fluminense, Rivellino desembarcou nas Laranjeiras querido por todos, menos pelos jovens da base que esperavam sua vez. De insatisfeitos a orgulhosos, bastou um elástico histórico no marcador Alcir Portella, do Vasco.
Chateado pela CBF não lhe ter concedido jogo de despedida, Rivellino expõe o único desafeto que fez no futebol. Não, não é o uruguaio Ramirez, de quem saiu corrido a ponto de escorregar de forma patética pelas escadas que ligavam o túnel ao vestiário, no Maracanã, num jogo da Taça do Atlântico.
Sem freios, alfineta o medíocre futebol de hoje e elogia o trabalho feito por Pepe Guardiola no Barcelona – chega a comparar o futebol daquele escrete catalão ao da seleção brasileira que triunfou no México. Porém, não responde a perguntas básicas, tais como a razão de não gostar de bater pênaltis – logo ele, o “Patada Atômica”, que quando criança levou ao desmaio um companheiro de pelada que cismou em não se proteger na barreira. Vale lembrar que sua ausência na loteria que decidiu a semifinal do Brasileiro de 1976, o jogo da famosa invasão corintiana, no Maracanã, repercute até hoje.
- Livro “Rivellino”
- Marcos Eduardo Neves com o autor Maurício Noriega e o craque