Por Marcos Eduardo Neves
Deu-se início a terceira edição do Rio Open, torneio praticamente fixado no calendário internacional do tênis. É exatamente sobre este esporte que volto a abordar na coluna.
Recentemente, escrevi sobre a biografia do tenista Andre Agassi, um dos melhores livros que li na vida. Tal leitura me despertou a curiosidade para conferir “GUGA, UM BRASILEIRO”. Lançado em 2014 pela Sextante, a obra apresenta a trajetória de Gustavo Kuerten, nosso grande ídolo na modalidade. Assim como o ex-atleta, o livro é igualmente sensacional.
Em depoimento ao jornalista Luís Colombini, que fez um trabalho primoroso, Guga revela bastidores de tudo por que passou na vida e na carreira, todas as dificuldades e adversidades que superou para alcançar o estrelato e se tornar um dos 16 tenistas da ATP a terminar um ano como número 1 do planeta, nos quarenta anos da Era Aberta. Um rol sagrado e seleto, no qual o brasileiro figura ao lado de nomes como John McEnroe, Jimmy Connors, Ivan Lendl, Pete Sampras, Andre Agassi e Björn Borg, além da tríade recente Federer, Nadal e Djokovic.
A história começa numa atmosfera de tensão sem precedentes na literatura desportiva. Somos levados ao combate psicológico travado por Guga consigo mesmo, momentos antes do jogo contra Yevgeny Kafelnikov, em Roland Garros, nas quartas de final do mítico ano de 1997.
A partir de então, no decorrer das páginas, voltamos no tempo e vibramos quando ele conquistou seu primeiro ponto na ATP, entendemos as lutas travadas para chegar à posição de um dos 100 primeiros do ranking, avançamos com ele até o top ten e entendemos como se tornou o número 1. Só que o livro traz muito mais. Não tem preço compreender os pormenores da infância de Guga, época em que ele ainda estava em dúvida se jogava tênis ou tentava virar jogador de futebol.
O irmão Rafael, sua inspiração no tênis; o pai super-herói – primeiro que acreditou que Guga poderia ser o melhor do mundo –; a mãe guerreira (ex-tenista amadora que com garra e fibra enfrentou a perda do marido e os cuidados com outro filho, Guilherme, deficiente, desdobrando-se para que Guga corresse em busca de seu sonho maior), tudo está no livro.
Poucos sabem que Guga cresceu numa cidade que mal tinha quadras. Pior do que viver em um ambiente sem tradição no tênis foi enfrentar o preconceito por ser um brasileiro tentando um lugar ao sol neste esporte. Quando criança, chegou a encordoar raquetes para fazer um dinheirinho. Aos 7 anos, seu pai, acreditando no seu potencial, pediu a Larri Passos, melhor técnico da região, que treinasse o filho. O treinador prometeu, desde que crescesse mais. No ano seguinte, contudo, Guga perdeu o pai em Curitiba – por ironia do destino, numa quadra de tênis. E Larri, para felicidade geral da nação, hoje podemos dizer, cumpriu a promessa.
Foram várias tragédias – claro, mais amenas do que a acima mencionada – na vida de Kuerten. Acidentes de carro, pânico no mar em dia de surfe. Todas, porém, esquecidas nas horas que Guga adentrava a casa com uma nova taça, que ia direto para as mãos do irmão Gui, que então sorria numa felicidade indomável ao segurá-las. O caçula, devido ao ambiente de muito amor no núcleo familiar, viveu 28 anos, sendo que tinham dito à mãe que não passaria da metade.
A trajetória de Guga na ATP se iniciou em 1995, quando ele era o 187° do ranking. O primeiro Grand Slam disputado data de 1997, mesmo ano em que venceu Agassi e levantou a taça de campeão de Roland Garros – epopeia que se repetiria em 2000 e 2001.
Seu apogeu se deu em 2000. Em Lisboa, venceu o Masters Cup, um embate só para verdadeiros campeões, tornando-se o único tenista da história a ganhar de Agassi e Sampras em semi e final de um mesmo torneio. Aos 24 anos, o rei do saibro, onde brilhava com backhands paralelos e cruzados desferidos com força e precisão, tornou-se o único sul-americano a terminar uma temporada como número 1 da ATP.
Guga disputou duas Olimpíadas. Na primeira, em Sydney, quase teve o sonho abortado porque o Comitê Olímpico Brasileiro bateu pé para que usasse uniforme com o logotipo oficial do patrocinador do COB. Guga era patrocinado pela Diadora e não trairia quem apostou nele, ainda mais num momento de extrema importância. Entraves burocráticos resolvidos aos 45 do segundo tempo, o tenista entrou às pressas no torneio e chegou às quartas de final dos Jogos. Caiu a um jogo da disputa por medalhas.
Outras quedas estavam por vir. Em 2004, quando viveu seu último grande momento em Roland Garros, superando o suíço Roger Federer na terceira rodada da competição, Guga já padecia com o corpo extenuado. Depois de um jogo, ficava pelo menos duas horas de molho fazendo massagens.
Data deste ano a sua última conquista de um torneio da ATP, na Costa do Sauípe. Cirurgias, injeções, cintas, três operações no quadril, sessões de reabilitação, médicos, fisioterapeutas, tratamentos alternativos, até cirurgia espírita ele fez, na ânsia de esticar a carreira. Em 2013, já aposentado, submeteu-se à implantação de uma prótese no quadril.
A verdade sobre a separação de caminhos com Larri Passos, depois de quinze anos de convivência diária e intensa, é abordada com riqueza de detalhes. Assim como a despedida oficial das quadras, em maio de 2008, aos 31 anos de idade, quando se apresentou oficialmente pela última vez, claro, em Roland Garros. Foi o adeus de um mito. O brasileiro que por 43 semanas consecutivas viu do topo a briga da nata do tênis pelo seu posto de melhor do mundo.
Ciente de que poderia fazer fora das quadras ainda mais do que fez dentro, o brasileiro criou o Instituto Guga Kuerten, para oferecer transformação social a crianças com deficiências. Em 2012, viu seu nome integrar a galeria mais ilustre do tênis, o Hall da Fama, juntando-se à compatriota Maria Esther Bueno, entre outros deuses do esporte.
Ídolo nacional, referência para as crianças e orgulho para os fãs, Guga ajudou, com sorriso fácil e um jeito despojado de se vestir e se comportar, a popularizar o tênis, humanizá-lo. E o convite a ler a sua biografia nos leva a entrar na família Kuerten, pelo menos da primeira à última das 383 páginas da obra. Instantes em que o leitor se verá absorvido pela magia da leitura, como que à espera de um match point glorioso em plena quadra central de Roland Garros.