Por: José Rezende
Como vimos, o futebol brasileiro fracassou nas duas primeiras Copas do Mundo. No Uruguai, em 1930, o Brasil não se fez representar com a sua melhor seleção. A briga entre os dirigentes do Rio e de São Paulo tirou os jogadores paulistas do mundial. Não havia na Comissão Técnica nenhum representante de São Paulo, gerando o descontentamento. Araken Patuska, que estava sem clube, foi o único paulista na seleção.
Quatro anos depois, as divergências continuavam a prejudicar o futebol brasileiro. Agora, era a briga entre a CBD, entidade de clubes amadores, e a FBF, cujos filiados eram clubes profissionais. As agremiações da Federação Brasileira de Futebol se negaram a ceder seus jogadores. Por interferência de Carlito Rocha, alguns profissionais concordaram em participar da seleção, como foi o caso de Leônidas da Silva.
Classificado nas eliminatórias com a desistência do Peru, o Brasil disputou as oitavas de final em jogo único, sendo eliminado pela Espanha ao ser derrotado por 3 a 1.
Na III Copa do Mundo, disputada na França, pela primeira vez o futebol brasileiro estava representado pelos seus melhores jogadores. A estreia foi contra a Polônia. No tempo normal houve o empate de 4 a 4 e na prorrogação conseguimos chegar a vitória por 6 a 5. Depois enfrentamos duas vezes a Tchecoslováquia. O empate de 1 a 1 foi o resultado da primeira partida e no jogo desempate ganhamos por 2 a 1 e nos classificamos para as semifinais. O adversário era a poderosa campeã do mundo, a Itália.
Mesmo sem Leônidas, seguramos o empate de 0 a 0 no primeiro tempo. Num contraataque italiano aos 11 minutos do segundo tempo, Colaussi abriu a contagem. O lance decisivo da partida aconteceu quatro minutos depois. O árbitro suíço M. Wutrich marcou pênalti de Domingos da Guia em Piola, fato que dificultou a reação brasileira para superar a vantagem adversária.
Os jornais que cobriam o mundial publicaram várias matérias sobre o tão discutido lance com destaque para a imprensa francesa. O jornalista francês A.Chantrel, no jornal “Sporting”, de Paris, escreveu:
“Em Marselha, os brasileiros realizaram uma péssima partida. Romeu, Luizinho e Perácio, sucessivamente, tentaram substituir Leônidas, no centro da linha avante. Mas foi em vão. A turma brasileira desarticulada, fatigada, foi dominada pela Itália. Não obstante a superioridade do adversário, os brasileiros foram batidos por um pênalti dos mais discutíveis. De fato, enquanto a bola se encontrava a quarenta metros da linha, Domingos deu um pontapé em Piola. Este tomba e o juiz, voltando-se, sem hesitação, concede a penalidade. A meta não estava ameaçada, pois a bola não estava em jogo.
Houve falta é evidente, mas o Sr. Wutrich seria mais inspirado se fizesse sair Domingos do que oferecer um ponto aos italianos, tanto mais que ele poderia pensar – e teria acertado – que Domingos não cometeu essa falta de sangue frio, mas sim em revide a uma provocação. De qualquer modo foi esse o ponto da vitória e da eliminação dos brasileiros”.
Em outro jornal esportivo, “O Football”, de Paris, o jornalista Gabriel Hanot expôs a sua opinião:
“Existe uma só mancha no puro cristal do futebol praticado por Silvio Piola. É uma certa tendência a dissimulação. Em Marselha, quando recebeu os golpes do grande Domingos, Piola atirou-se ao solo para obter um pênalti a favor da sua equipe. O árbitro suíço M. Wutrich ficou, com efeito, alarmado e concedeu injustamente o pênalti que Meazza transformou em gol da vitória, enquanto Piola se levantava absolutamente indene!…”.
O grande Domingos da Guia, autor do pênalti, no livro “O Divino Mestre”, do jornalista inglês Aidan Hamilton, falou sobre o discutido lance:
“Durante todo o “match” fui provocado pelo centroavante. Recebera ordens de Pimenta no sentido de não largar o craque italiano: “Você será a sombra de Piola”. E foi o que aconteceu. Antecipava-me, com facilidade e, nas bolas altas, procurava sempre confundi-lo. Lá pelas tantas, Piola perdeu a cabeça e desandou a dizer palavrões. Explodia: “Você não me larga, não é? Pois vai se arrepender”. Às ameaças do adversário, todos sorríamos. Até que ele começou, de fato, a distribuir pontapés. Os palavrões de Piola, que vinham em italiano, eram devidamente traduzidos e devolvidos.
Aos quinze minutos da fase complementar, ainda com o Brasil em pleno domínio, a defesa italiana rechaçou uma bola. Pulamos, eu e Piola. Estávamos no setor esquerdo e o centroavante, vendo o meia em boa posição, tentou cruzar. Ora, eu vinha marcando em cima e a cabeçada do adversário saiu defeituosa. O juiz consignou bola fora. Quando voltava para posição, fui surpreendido com a violência do rapaz.
Cinicamente, o italiano atingiu o meu tornozelo. Cego de dor e de ódio, revidei. Foi o bastante. O árbitro, que não vira o lance anterior, usou o apito. Eis um momento inesquecível da minha vida. Todos os jogadores do Brasil ficaram atônitos. Martim, capitão da equipe, foi falar com o juiz. Esse respondeu no seu idioma. Alucinado, o centromédio perguntou: “O senhor é ladrão?”. O juiz confirmou, acenando. Com o mal consumado, nasceram alguns protestos dos dirigentes. Mas já não mais seria possível remediar a situação. A bola foi colocada na marca de cal e o placar modificado”.
Romeu, ainda, fez o gol de honra brasileiro aos 41 minutos. A seleção terminou a Copa com uma bela vitória diante da Suécia por 4 a 2, em disputa do 3o lugar.
O pênalti de Domingos em Piola aconteceu no dia 16 de junho de 1938 e faz parte dos inúmeros lances polêmicos que enriquecem a história do fascinante mundo do futebol.