Por Marcos Eduardo Neves
Nunca escondi que sou um goleiro frustrado. Sorte dos clubes que não deram o azar de me colocar para agarrar. Ainda assim, faço minhas graças em peladas. Por conta disso, sinto-me tocado com a despedida do MITO. Nada melhor, então, do que falar sobre o livro lançado por Rogério Ceni: “Maioridade Penal – 18 anos de histórias inéditas da marca da cal“. A obra, redigida pelo jornalista André Plihal, foi publicada em 2009 pela Panda Books.
Não é uma biografia. São “causos” do futebol. Um bate-papo gostoso que me deliciou por cerca de cinco horas. Construído durante o Brasileirão de 2008, o livro começa com a reta final da campanha vitoriosa do São Paulo de Ceni e a leitura engata logo em seguida. Por meio dela, descobri inúmeros fatos curiosos. Como quando, aos 17 anos, Rogério pegou um pênalti na sua estreia. Na sequência do mesmo campeonato, levou o Sinop, de Mato Grosso, ao primeiro título estadual de sua história.
Contratado pelo São Paulo, Rogério conta as aventuras e desventuras vividas no começo da carreira, quando se virava com dois terços de salário mínimo. Lembra que no Metropolitano juvenil, em 1990, defendeu um pênalti em seu único jogo disputado no Parque São Jorge: a primeira partida da final, contra o Corinthians.
Engana-se quem pensa que ele nasceu com dom para bater na bola. Jovem, sequer sabia bater tiros de meta. Coube a mestre Telê Santana e ao ex-arqueiro do Palmeiras Valdir de Moraes o ensinar.
Após uma falha, foi para a reserva no Paulista de juniores, em 1992. Quem o colocou no banco foi Márcio Araújo, o mesmo que, na Espanha, lhe daria a chance de sair jogando pela primeira vez pelo Tricolor, diante do Tenerife. Nessa partida, Ceni levou gol na primeira bola que surgiu à frente, mas se redimiu pegando um pênalti. Feito que repetiria no jogo seguinte, salvando a pele de ninguém menos do que Toninho Cerezo, que errara a sua cobrança na disputa por penais da decisão de um torneio internacional.
Poucos sabem que o goleiro quase se transferiu para o Goiás, devido à escassez de oportunidades na equipe de cima. Apesar disso, conversava demais com o ídolo Zetti, de quem foi reserva por bom tempo. Contudo, confessa, não fosse a morte trágica da promessa Alexandre, num desastre automobilístico, possivelmente não herdaria a camisa 1 do São Paulo.
Os elogios que ganharia de Dino Zoff, a admiração pelo colombiano Navarro Montoya, os dois meses nos quais foi proibido por Mário Sérgio de bater faltas, tudo é contado no livro. Rogério garante que não houve crise de egos com Ricardinho, recorda as dolorosas vaias que recebeu da própria torcida durante o Brasileirão de 2004 e fala que chegou a defender a Seleção Brasileira sob menos 25 graus, em Moscou, jogando no sacrifício.
Por sinal, o principal goleiro-artilheiro da história do futebol – façanha que o colocou no Guiness, o livro dos recordes, em 2006 – assume não ter jamais rendido o esperado no escrete canarinho. Reclama da criancice do grupo que raspou o cabelo de todos os atletas durante a Copa das Confederações de 1997, mas nem tocou no amistoso contra o Barcelona, em 1999, ocasião em que falhou duas vezes de forma capital e declarou que “se os erros não tivessem originado os gols, teria sido uma das melhores atuações de um goleiro na seleção”.
Se pecou por omitir certos fatos, acertou ao relembrar tantos outros. Assumiu sua obsessão por ganhar uma Libertadores como titular – afinal, viu duas conquistas de perto, no começo dos anos 90. Recorda a decepção que teve nas quartas-de-final da competição, em 2005, quando marcou dois gols de falta, mas perdeu um pênalti, contra o Tigres, do México, no que seria o seu primeiro hat-trick. E conta detalhes da cobrança histórica que pegou do meia Steven Gerrard, na decisão do Mundial de Clubes de 2005, frente ao Liverpool.
O livro termina na assinatura do contrato de 2009, que terminaria em 2012. Na ocasião, Rogério somava menos de 850 jogos (hoje tem 1237 apenas com a camisa do São Paulo – 120 participações a mais do que Pelé no Santos, por exemplo). Como a obra é de 2008, não deu para falar sobre o seu gol 100 – golaço, aliás – marcado sobre o Corinthians, muito menos sobre suas decisivas intervenções dentro e fora de campo pelo Bom Senso FC.
Mas o livro vale a pena. Senti falta apenas do que ele explicou no último programa “Bola da Vez”, da ESPN BRASIL: que começou a cobrar faltas, na verdade, com o objetivo de acertar o travessão, mas quando se viu expert nisso, se tocou de que poderia fazer gols. Gols que me farão sentir mais falta ainda. De suas faltas.