Por José Rezende
Todas as quartas-feiras, no CIEP Nação Rubro-Negra, na Gávea, ex-jogadores de basquetebol se encontravam e jogavam animadas peladas. Lá encontrei Gedeão, Ardelim (ex-Botafogo), Marcelo Cocada (ex-Flamengo e Fluminense), Rogério “Touro” (ex-Botafogo) e muitos outros. Os veteranos realizavam peladas divididas por faixas etárias. Soube que o líder é o Paulista, ex-Vasco, e seleção brasileira.
Confesso que dessa vez não fui para assistir as peladas e rever essa turma que trouxe à minha lembrança os bons tempos das transmissões pelas ondas da Emissora Continental, 100% esportiva, ao lado do saudoso e querido amigo Noli Coutinho, lá pelos idos dos anos 60. Fui ao encontro do guru desses jovens veteranos, segundo eles próprios. Sentado me aguardando estava um jovem de 85 anos, que antes de conversar comigo, foi jogar sua sagrada pelada. Depois, então, tive a grande alegria de ouvir Ruy de Freitas, no dia 20 de fevereiro de 2002:
“Em Pernambuco, onde eu vivi grande parte da minha infância eu jogava futebol. Nasci no Rio, mas, meu pai foi ser Chefe de Polícia, em Recife, e eu tive que acompanha-lo. Quando retornamos ao Rio, em 1930, fomos morar, no Riachuelo, e lá jogava futebol em times organizados, que participavam de festivais aos domingos. Comecei a jogar basquete, nessa época, com 14 anos, na Associação Cristã de Moços, na rua Araújo de Porto Alegre.
Meu pai foi preso por questões políticas, conseguiu escapulir e minha família foi para o Uruguai. Em 1932 fui campeão da 3a divisão, jogando no Biguá. No início de 1936, voltamos para o Rio e fomos, novamente, morar no Riachuelo. Quando o time foi formado para disputar o campeonato, eu já entrei como titular. De 36 a 41, sempre disputamos o título. Fomos vice-campeões, em 36, numa melhor de três contra o Grajaú; em 37 e 38 conquistamos o bi; em 39 o Botafogo foi campeão; e em 40/41 novamente fomos bicampeões. Nosso time base em 36/37 era: Adílio, Sebastião, Jorge, Camilo e eu.
Fiquei no Riachuelo até 1942. Saí porque um dia veio uma nova diretoria, que expulsou um cara que fez umas trapalhadas. A turma do basquete, que tinha um prestígio grande, apoiou a diretoria. Dois dias depois o filho do presidente fez também uma trapalhada, mas não o colocaram para fora. Aí, eu disse: se ele não sair, saio eu. Como o presidente ajudava o clube com dinheiro, nada aconteceu e eu saí. Fui para o América, onde fiquei dois anos. Nosso time era: Marinho, Helinho, Passarinho, Jagunço, Geraldo, eu e outros. Jogamos mano a mano com as outras equipes, mas não conquistamos títulos”.
A decisão do título carioca de basquete de 1950 foi histórica. O Flamengo tentava o tricampeonato e perdeu para Associação Atlética Grajaú. Ruy importante, personagem desse momento histórico, nos conta como foi essa final:
“Em 1950, a Associação Atlética Grajaú monta o time com alguns jogadores do América e mais Montanha e Cleto, que veio do Riachuelo. A partir de 48, o Flamengo passou a dominar o basquete carioca; até então sob a liderança do Botafogo. O Flamengo foi bicampeão em 48/49.
Na decisão de 50, o jogo foi o tempo todo mano a mano, até o Cleto fazer a cesta decisiva. Naquele tempo os resultados eram muito mais baixos. Primeiro porque se jogava pouco na cesta e, também, não tinha tempo. O sujeito ficava com a bola na mão e só jogava na certa.
Nós naquele jogo fizemos o que o Simões me ensinou: quando a bola saía, o cronômetro não parava; nós estávamos atrás, então nós colocávamos um companheiro para entrar e o que saía voltava imediatamente; com isso o tempo corria muito pouco; quando nós passamos no marcador paramos de fazer isso, para o tempo passar e acabamos vencendo o jogo. O Simões era craque, jogava no Tijuca e era muito meu amigo.
O time do Flamengo era muito bom. Jogavam Algodão, Godinho, Fernando, Tião, Alfredo. O técnico era o Kanela”.
Na história do basquetebol brasileiro um dos mais gloriosos episódios foi a conquista do bronze, nas Olimpíadas de Londres, em 1948:
“Foi um exemplo de como o esporte em geral, no Brasil, não é bem tratado. Tivemos que levar goiabada e outros alimentos. Não tínhamos médico, massagista. Era um médico para toda a delegação, só queria saber das meninas da natação. Num jogo em que o Alfredo se machucou, ele apareceu e quando foi atender o Alfredo, o Reis Carneiro, Presidente da CBB disse: “Tira a mão daí. Não mexe no meu jogador. Não venha agora para cá”.
Nós podíamos levar 12 jogadores e levamos só 10. Tivemos a contusão do Évora, um companheiro amarelou, não digo o nome, e o Daiuto, que era o técnico, não tinha confiança em três jogadores. Quando chegou a partida contra a Inglaterra, que era a seleção mais fraca, alguém da chefia da delegação disse que era importante o saldo de cestas. Corremos muito e fizemos 72 pontos. No jogo seguinte, cansados, sem massagista, sem médico, não ganhamos. Para ganharmos depois do México foi um custo.
O time base era: Algodão, Brás, Massene, Alfredo e eu. De São Paulo tinham quatro e o resto era do Rio.
A medalha de bronze valeu como se fosse de ouro. Mas, quando eu entrei em Wembley, no desfile inaugural, vendo todo aquele cenário, eu disse para mim mesmo: não preciso ganhar, já estou satisfeito”.
Quatro anos depois, em Helsinky, na Finlândia, Ruy de Freitas defendia, novamente, as cores brasileiras, como atleta olímpico:
“O espírito não era o mesmo de 48. Por exemplo, foi o time do Flamengo. O técnico foi o Pitanga, que era na minha opinião o que mais entendia de basquete. Ele dizia tira aquela cadeira dali e não tiravam a cadeira. Como ele não queria briga, ninguém o atendia. A turma do Flamengo passou a dominar. Jogava o time do Flamengo que não era grande coisa. O Flamengo jogava muito com o Kanela mandando. Kanela tinha algumas coisas muito boas, mais ganhava fazendo outras coisas que não deveria fazer. O Zé Luís, de Minas Gerais, entrou muito bem e a turma do Flamengo começou a pressionar. Um dia no vestiário quase o pau come. Aí o Mário Pereira, que era dirigente da delegação do Brasil, prendeu o Zé Luís no alojamento. Quando Reis Carneiro, que era um homem firme, soube suspendeu a proibição imposta ao Zé Luís. Nosso rendimento podia ter sido melhor se não fosse a desunião e a omissão do Pitanga diante de determinados fatos.”
A partir da perda do tricampeonato, em 50, o Flamengo tomou conta do basquete carioca, chegando ao decacampeonato em 1960. Rui expõe as razões desse domínio rubro-negro:
“Acontece que o Flamengo era um time muito bom e se reforçando com jogadores de outros clubes enfraqueceu os adversários. Algodão veio do Aliados, Alfredo, do Vasco, Mário Hermes, de Niterói e outros.
O time de A.A. Grajaú, ainda, disputou mais um ano e se desfez. Depois das Olimpíadas de 52 eu parei e fui ser técnico do Sírio e Libanês. No Sírio, jogavam Ardelim, Gedeão, Roberto.
Na histórica decisão de 55, além da sorte do Flamengo, nós desconfiamos que o cronômetro não correu. Faltavam 7 segundos, o Sírio tinha dois lances livres e o Olivieri perdeu os dois; o Algodão pegou a bola, jogou para o Alfredo no meio da quadra; o Alfredo pegou a bola, bateu devagar, atravessou a quadra, balançou o corpo e deu para o Arthur, que enganchou; a bola não entrou, veio o Guguta, deu um tapa e fez a cesta. Tudo isso faltando 7 segundos. Até hoje fica a interrogação: parou ou não o cronômetro?”
Togo Renan Soares, o Kanela, foi um personagem altamente polêmico no mundo do basquetebol. Algumas pessoas afirmam, que o basquetebol tem um divisor d’água : “antes e depois do Kanela”. Ruy dá sua opinião:
“O Kanela teve sua influência, mas não essa influência toda. Kanela tinha uma coisa de bom: ele tratava seus jogadores a pão-de-ló. Procurava resolver qualquer problema, mas também obteve muitas vitórias com ações não muito legais. Ele desmanchou o basquetebol carioca, com o Flamengo ganhando tudo sempre. Desestimulou os adversários, e também, os juizes sempre tinham medo do Kanela, porque ele era bravo.
Taticamente, ficou a mesma coisa. Contra ataque sempre houve. Só que o Kanela gostava muito do contra ataque. Ele gostava da correria e tinha o Mário Hermes, cuja altura ninguém tinha naquela época. Além disso, a turma do Flamengo jogava bem”.
Com os seus 85 anos, ainda, jogando com os seus companheiros, Ruy de Freitas, elegeu os grandes nomes do basquete brasileiro em todos os tempos:
“Celso Meier, o General, que jogava no Tijuca; Simões, o Coronel, também, do Tijuca; Guilherme, do Botafogo; Wlamir; Pecente e o Amauri. Quanto ao Algodão era muito útil à equipe, marcava bem, mas não era um craque.
Com relação aos técnicos destaco o Pitanga, que conversava muito comigo e era professor da Universidade do Brasil. Ele entendia mesmo do negócio.
A maior vitória do Brasil em todos os tempos foi o título do pan-americano, com Oscar, Marcel e outros, porque batemos o time norte-americano, com jogadores da NBA. Começamos com o “tiro ao pombo”, isto é, mandamos bola para o alto e acertamos todas. Foi uma vitória fantástica. Então, passaram a acreditar que jogar a bola para o alto era o certo. Com isso o Brasil não ganha uma desde quando? O Oscar, que tem a mão fantástica, está no Flamengo que chegou em 7o lugar, no ano passado. Arremessam quando devem e quando não devem arremessar. Podem ganhar de um grande time, como podem perder de uma equipe inferior, como aconteceu no próprio pan-americano, contra o México”.
Ruy de Freitas diz qual foi sua maior conquista e dá alguns conselhos:
“Meu melhor momento foi a conquista da medalha de bronze, na Olimpíada de Londres. Com todas as dificuldades chegamos ao pódio. Nunca tive uma grande decepção. Para os jogadores de hoje digo que eles devem ter mais calma. O esporte é uma brincadeira. Tenho visto violência dentro e fora da quadra. Perder e ganhar é do esporte, não levem isso a ponta de faca”.
Ruy de Freitas estava sempre atualizado sobre o que acontecia no mundo do basquetebol. No dia 2 de agosto de 2012, aos 95 anos, Ruy era convocado para a seleção do céu. Sua paixão pelo basquete inspirou várias gerações.
- Quinteto titular do Riachuelo, campeão carioca de 1937: Adílio, Sebastião, Tripinha, Luiz e Ruy.
- Ruy, terceiro agachado a partir da esquerda, na seleção carioca campeã brasileira.
- Ademar Ferreira da Silva, Alfredo da Mota, Ruy de Freitas e Moacir Daiuto com o jornal O Globo, por ocasião das olimpíadas de Londres, em 1948.
- Ruy na partida entre AAGrajaú e Halem Globetroters, em 1951.
- Domingos Araújo, locutor esportivo da Emissora Continental, acompanha a entrevista do técnicos Ruy de Freitas e Kanela, após a emocionante vitória do Flamengo sobre o Sírio e Libanês por 45 a 44 no campeonato carioca de basquetebol de 1955.